CATEDRAL
Queria
me poupar de escrever, para não ter que entrar em contato novamente com a dor.
Ao caminhar sobre o espaço contido de vida, visualizava externamente o sopro de
movimento que me restava. O dia estava chuvoso, desejava com prazer que
continuasse assim, para que refletisse todo e qualquer resquício da minha alma
afunilada em melancolia. Uma rua apenas, digna de cartão postal das bancas do
meu turismo interno. Nada tinha de bela, a não ser a vida contida, a ladeira
apontando para algum lugar misterioso de fé, lotado de pormenores históricos.
Tomei o último gole enquanto olhava pro asfalto grotesco; nada mais valia a
pena espreitar naquele momento em que a alma se despregava do corpo.
Subi
contida, pernas dolorosas, uma despedida realizada. Caminhava sozinha, embora
acompanhada de pensamentos sórdidos. Respirava um caminho qualquer, como
qualquer outro vivente, que passara pelos mesmos ladrilhos por centenas de
anos. Há sempre uma novidade pronta a ser descoberta por um passo único. Talvez
não fosse este meu caso. Nada descobria, revivia na memória caminhos parecidos,
como aquele que calharia numa estrondosa estátua desapegada de vida. Degraus
imensos (não eram tão imensos assim) se mostravam a minha frente. Subi pela
diagonal, assim como fazem crianças descobrindo caminhos tortos. Deus não
escreve por linhas tortas, permanece calado enquanto subimos seus caminhos
sinuosos. Pensamentos divinos: nada mais apropriado para um caminhar em direção
a casa monstruosa. Toda catedral tem algo de monstruoso.
Atravessei
uma rua morta, morta como estava, e nada mais me animou tanto quanto a porta
entreaberta. É engraçado como as portas das catedrais nunca se abrem a sua
frente, temos sempre que desviar nossa linha reta de certezas para os lados
escuros de portas laterais. A porta da sua frente sempre está fechada. Assim
como o céu neste dia em que não me encontro. Desvirtuei meus pensamentos a
procura de imagens que pudessem estabelecer no meu ser outros parâmetros. Santos,
anjos... estava a procura de um céu atormentado, assim como são todos aqueles
céus construídos pelos homens. Não encontrava, a não ser imagens esculpidas
com uma madeira morta, da qual mal sabia diagnosticar o que estava sendo
representado. A forma reinava soberana. Meu conteúdo se esvaecia, na medida em
que caminhava pelos assentos de madeira.
Fechei
os olhos para que pudesse escolher o melhor lugar, que ironia, não existe
melhor lugar onde tudo é céu atormentado. Apropriei-me não do assento, mas sim
da parede que em minha frente encontrava, onde observava muda o cântico desértico
da abóboda ao lado. Um canto enferrujado, comido pelas traças do tempo. Fechei
os olhos novamente, sentia-me abraçada por um sinal de mal-querer da vida. Ela
me dizia, que aquele sim era o momento para abrir-me ao grande vale das lágrimas.
Tudo fica biblicamente mais dramático quanto se está na grande casa tormentosa
de Deus, este ser que se cala diante os caminhos sinuosos.
Porto Alegre, 19 de março de 2014.