sábado, 28 de março de 2015



A cor que lhe falta.

Há uma impressão de que o homem que questionava, desejava ser...
Sua mente não olhava para as coisas como elas são, mas lhe parecia poesia.
O mundo lívido do sibilar dos passáros
era mais que música para seus ouvidos.
Por sua vez, o pássaro só sabia ser
Era o que o homem desejava...
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Tens-me porque me arraigo no calabouço do teu mundo 
E faço dele um pórtico calmo para pousar do vôo.
Só vejo e entendo aquilo que vou sendo quando me enterro sobre um espaço livre.
É uma liberdade sadia e sarcástica, 
zombo das patifarias dos outros, 
porque eles não sabem quem são.

Me escutas falar, nada passa de uma ilusão, assim como aquilo que não vejo.
Mas há algo de verdadeiro no meu viver.
É uma entrega admirável, não saber quem és e mesmo assim entregar-te.
Enquanto sucumbes às dores de um pensamento corrente
Me entrego ao próximo desafio sem nada saber 
e o que já sabia, não vale mais, portanto não sei sobre que sofres.

Invejas a memória aérea do pássaro
Afinal, quem é mais livre?
Você, no cárcere das idéias?
Ou eu, no cárcere das ilusões do presente?
Você, na dúvida inquietante?
Ou eu, no extremo arroubo da ironia?
Tens me amarelo-ouro.
Desenha-te com esta cor que lhe falta. 


"Inspirado" no conto de Machado de Assis "Idéias de um canário".

domingo, 15 de março de 2015

Feminina

Os desprezos do corpo que vem a orla,

São empurrados pela maré de ventania que sopra leve entre nossas pernas,
Já maduras ou cansadas, vistas para que servem.
Queria escrever um poema em prosa,
Mas que! prosa alegre, nunca derrama uma lágrima, como deve ser.
Prosa fina, reconta e inventa, mas não chega a doer.
Do que falo aqui é da dor,
Do imenso buraco que cresce sem que possamos ver.
Finge que é tudo e nada e desmaia ao pesar longo do tempo passando.
Sobrevoando pequenos pensamentos soltos numa janela imaginada,
Dá-se pequena, encontra o mundo e volta, sem nada trazer junto.
Não ganha nem perde, apenas se troca, fazendo intercâmbios com a ponta do ar.
Esmiúça a solidão de ser, genericamente, uma só, intercalando faz-de-conta e sutilezas.
Queria escrever um poema em prosa...
Mas que! Prosa alegre, nunca deve ser derramada, isso só a poesia pode.
Mas pra ela, não tem que ser alegre.
Tem que ser firme.
Só eu sou poeta, mais ninguém.
É isto que afirma a mágoa, o chão, a cama, a janela e o olhar.
É isto que afirma a delicadeza de um trovão, ou a brutalidade de uma flor.
Finjas que sou leve, final feliz de todo história sintética.
Mas de histórias benditas já estou cheia,
Não sou mais do que um puro paladar que degusta cheiros e cores,
Adivinhando qual será a tempestade de amanhã, que arrancará meus dias de glória e acabará com todo o traço de história.
Isto está se tornando uma prosa.
Não posso deixar acontecer!
Volta-se em círculos, rodando, sutil à sua imagem.
Sabendo o limite da leveza e o peso da coragem.
Queria escrever um poema em prosa,
Mas acho que a mulher é isto mesmo.
Uma prosa que derrama, pedindo permissão para a poesia para derramar.
Uma poesia que sintetiza, pedindo permissão para a prosa para se contar.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Poema dos sentidos

Ser um tempo presente que cala.
E que faz todas as coisas se perderem num vazio.
Aproximando-me de uma encosta vejo o mar, 
e meus olhos atravessam o horizonte infinito
Sinto a luz do cheiro tocar meu rosto
com cor de pele laranja.
Sou um fruto recolhido daqueles campos de outrora, 
que agora padecem com a exaustidão dos passos que os esmagou.
Frente ao passado, tudo que é cinza desbota e tudo o que era livre transborda.

De um fim só resta mesmo um último suspiro úmido, 
reforçando aquilo que a sombra cálida sempre quis dizer.

"Os homens não dão por si, nem a si mesmos se reconhecem como outros.
Não olham para si nem a si mesmos se olham com os olhos dos outros.
Não escutam a si, nem a si mesmos ouvem com os ouvidos dos outros."

Tudo é vão e úmido.