sábado, 5 de novembro de 2022

 Poema de outono

Se um dia minha voz te chamar por dentro,
por favor, não escute.
Finja que o sereno sopra no ouvido uma réstia de memória
Apague a luz do firmamento.
Restará você e sua história, disputa descabida.
Só permita um pequeno sussurro,
nada tão grande, que apavore.
Nem uma récita, ou um conversatório.
Apenas um relance, meia palavra, depois uma pausa.
Se você ouvir minha voz embrenhar-se pelo emaranhado de palavras finas,
Por favor, não escute.
Sou eu dando corpo ao que não existe.
Um pequeno poema, um verso atoa.
Uma voz ecoa, no silêncio vive.

 Movimento

Volto com o movimento nos ombros, nos braços, na perna.Trata-se de uma consciência que, depois de aberta a porta e mergulhado o corpo não há como sair. Não há retorno, apenas continuidade. É o mesmo para essa juventude que despertou o potencial do mundo aberto, das escolhas disponíveis, de saber que o outro também tem lugar. Eu faço parte dessa configuração e dessa massa, e saio desejosa de que nosso cotidiano fosse sempre ocupado por pequenos gestos de movimentos. Movimentos concretos.
Não há em prol de, há permanência em, substantivo concreto, ficar sem sair do lugar, não abrir mão daquilo que se pode conquistar.
Não é nada material, nem ao menos volumoso, é a o movimento do dia a dia aprofundado, do saber que a consciência e o conhecimento, inevitavelmente andam de mãos dadas.
É torcer para um cair da tarde musical, para um cair das folhas homogêneo, um cair no ralo as palavras de mal-trato, de arrogância, de prepotência sem nada saber. Sem movimento.
Entendo que muitos não consigam ver por trás da bruma fina de rancor que lhes tapa os olhos. Entendo que entre os olhos e a bruma fina há a paralisia, os sentidos não despertos, a crença na fantasia brutal. Havemos de rompê-la.
Não consigo sair de dentro da sinuosa e ousada expressão artística. Não consigo falar através da boca, essa que muitas vezes cala diante às atrocidades. O movimento vem de dentro é continua ser chama acesa, mesmo que abrandada por ventanias usurpadoras.
Seremos. Serenemos. Atentos. Movidos.


Comme d’habitude, muitas vezes me enrosco entre a poesia e a prosa poética. Il faut que nous écrivions toujours, mas não antes de sentir um chamado das palavras, que podem sair de qual for a experiência estética. Quando digo « experiência estética » falo do preciso momento em que o suspiro toma conta de seu peito, e se refaz, através da quadratura exata de tua respiração, aquela que lhe dá o ar necessário para suportar as surpresas do mundo.
Não é preciso que arte seja bela, que o quadro seja perfeito, ou que as flores estejam corretamente vivas. Pode ser que a quadratura da respiração seja dada por exemplo, pelo bueiro de uma rua qualquer, pela parede despencando de um coin sem importância, ou mesmo pelos encanamentos que insistem a subir pelo exterior dos bâtiments.
Assisti hoje um filme chamado « Paris » , pela necessidade de estudar esta língua vivente e medieval, como disse um amigo. Meu streaming também virou francês. Um mês vivendo por estas terras e pude ter, minha sensibilidade através do filme - que é simples, mas possui uma maneira de contar extremamente interessante e sutil - despertada. Acho que a estou conhecendo bem. Aprender sobre um país, ao contrário do que muitos pensam, não é (apenas) subir em seus monumentos ou frequentar seus museus. É pra isso que a arte serve; no caso, o cinema, mais uma vez, sublinhou e sublimou minhas sensações e conhecimento. Percebi que estou adjacente, que respiro um pouco na quadratura da respiração desta cidade luminosa.
Não sei como explicar o filme, mas diria desta forma: morte-vida e movimento, acaso ou não, acabam por se acentuar quando passamos desapercebidos pela vida. Eu sei, hipócrita leitor, que pouco me faço entender; mas a arte sobretudo é isso. De qualquer forma, indico a película, principalmente para aqueles que já viveram nesta cidade.
Falava que não era preciso que as flores estivessem corretamente vivas. Muitas vezes elas continuam a espalhar um pequeno traço de vida mesmo que despedaçadas. Encontram uma quadratura no vento, continuam respirando como antes. Talvez mais livres. Sem a obrigação da beleza contida e do ideal equilibrado de beleza. Quem compreende o rastro de qualquer coisa, pode viver perseguindo a vida.