terça-feira, 11 de novembro de 2014

Tema e variação 
         
     Variações de um tempo que já se foi. De certo, o tema em questão não se opõe ao andamento do coração. Ele é feito de pressa, calmaria e uns passos adicionados ao caminhar marcado no chão.
      Não vejo outro motivo para escrever se não o de se escrever pra fora. Pra fora significa se limitar a criação daquilo que é, por dentro, sem pontos de aumento, sem pausa pra esperar. Sem alterações desnecessárias; aquelas que te colocam com ingenuidade sobre as contradições do mundo. Quando muito se altera, se perde o foco e o caminho, deixam-se cair retalhos e vestígios de que não se é verdadeiro consigo mesmo.
    Um caminhar de peito aberto significa não temer uma modulação repentina. O tema espelhado talvez nos leve a enxergar os fins pelo meio, se tornando este fim, questão absoluta de chegada.
     É através do fechar os olhos para o mundo e abrir o mundo para dentro que se pode desabrochar alguns minutos de prazer neste universo cinzento de temas sem variações.
     Procuro com ansiedade por uma composição que revele algo a mais do que um mero suceder de acontecimentos. Procuro o acontecimento e seu prazer no instante, sem que perca de vista a necessidade de um motivo bem construído. Que este motivo possa ser estendido e que não se perca em peripécias histriônicas. E se se perder, que seja por outro bom motivo. Outro bom motivo que talvez nasça de uma tentativa tola de ser, simplesmente. Porque nossa arte é sempre sermos nós.
    Se trata de inspecionar, verificar e aprontar os olhos para este universo cuidadoso que me apresenta, muitas vezes sem modificações, é certo...trivial e repetitivo. Mas cuidadoso com aquilo que se deve ser. Sem mais, sem adições ou exageros. Perseguir o tema, aos cuidados dos batimentos cardíacos, variar os passos aos cuidados de uma mente atenta. Insistir até que as variações tomem o lugar de tema e o tema não vá pra lugar algum...insistir até que as variações se posicionem confortáveis ao lado da sensibilidade. Insistir até que o tema possa assumir seu posto de condutor frio e quente de uma alma aflita.


https://www.youtube.com/watch?v=m7Sxe1y0U7M

terça-feira, 20 de maio de 2014

Excerto

Prelúdio

Gosto da sensação esvaziada que se dá ao pensar a partir do coração.
É uma sensação extrema, vagueada por estrelas e pó.
Não se permite usar toalhas quando as lágrimas do coração se atiram no chão.
Primordiais como toda a vida, assisto recolhida a solidão.

Tema

Uns tem tido a vida, assim, toda derramada
Outros perfuram o chão a procura de uma alma desterrada
O amor ocupa um lado, outro lado
Sentidos opostos
Caldeia de sentidos perdidos
Aturdidos
Viagem de um náufrago azul.

Contraponto

Se sigo nesta derradeira harmonia
É porque não sinto a madeira vazia
Quando bato com a palma da mão.
É um oco maltratado
Coração estilhaçado
Primeira vez, de pés no chão.

Motivos

Sem energias diretas,
recolho o suspiro,
entrego o perdão
Fiz de qualquer estilhaço
Um caco de vidro
Meu teto no chão

Ritornello

Já usei este termo
que vem corrompido
De febre e ilusão
Desterro tão sufocado
Uma sina pronta
Entregue às mãos.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Doação

Numa placa li o recado:
“Aceita-se doação de reacionariozinhos domesticados,
Criança em abstinência”.

A vida anda tão chata sem seus rumores.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Âmago

 Não com o frenesi do corte latente
mas com a ponta da alma cortante
num segundo, preciso e singelo
onde tudo a volta se encanta
feito faisca de fogo cinzento
feito brasa de fogueira santa.

Uma pausa um crescer paralelo
de duas faces, qual perfeito perfil
se divide em ondas, num tom amarelo
tudo parte, certeiro abril.
A minha alma, possuída canta
devaneio em fenda, abalo profundo
Um suspiro na terra, o pó se levanta.

Fechando os olhos, vejo o que há de matar
um pobre escrito, ruído em prazer
um filho verso, repetido de criar
a musa terna tão vestida de sonhar.


Inspiração: https://www.youtube.com/watch?v=_Yw2CnIhJkM

segunda-feira, 31 de março de 2014

Aqui estou eu


Aqui estou eu,
Faço poesia em forma de pedra
E pedra sou
Atada e contida,
Um invólucro sem alma
Um chão de terra batida.

Aqui estou eu,
Faço poesia em forma de água
Água eu sou
Deflagrada e extensiva
Um caminhar sem pés
Um rio a banhar margens sem fim.

Aqui estou eu,
Faço poesia em forma de árvore
Árvore eu sou
Vertiginosa e ondulante
Um corpo sem movimento
Espalhando fronteiras ao redor.

Aqui estou eu,
Faço poesia em forma de nada
Nada eu sou
Ventre, vácuo e vazio
Um plano sem horizonte
Um mapa de territórios sem vida.

Aqui estou eu,
Faço poesia em forma da forma
Forma eu sou
Delineada, sem ornamentos
Forma pura, acabada.
Um encanto sem sentimento.

Aqui estou eu,
Faço poesia em forma de conteúdo
E é tudo.
Pedra, água, árvore e nada.
Forma enquadrada num verso.
Expressão inacabada.

quarta-feira, 19 de março de 2014

CATEDRAL

            Queria me poupar de escrever, para não ter que entrar em contato novamente com a dor. Ao caminhar sobre o espaço contido de vida, visualizava externamente o sopro de movimento que me restava. O dia estava chuvoso, desejava com prazer que continuasse assim, para que refletisse todo e qualquer resquício da minha alma afunilada em melancolia. Uma rua apenas, digna de cartão postal das bancas do meu turismo interno. Nada tinha de bela, a não ser a vida contida, a ladeira apontando para algum lugar misterioso de fé, lotado de pormenores históricos. Tomei o último gole enquanto olhava pro asfalto grotesco; nada mais valia a pena espreitar naquele momento em que a alma se despregava do corpo.
            Subi contida, pernas dolorosas, uma despedida realizada. Caminhava sozinha, embora acompanhada de pensamentos sórdidos. Respirava um caminho qualquer, como qualquer outro vivente, que passara pelos mesmos ladrilhos por centenas de anos. Há sempre uma novidade pronta a ser descoberta por um passo único. Talvez não fosse este meu caso. Nada descobria, revivia na memória caminhos parecidos, como aquele que calharia numa estrondosa estátua desapegada de vida. Degraus imensos (não eram tão imensos assim) se mostravam a minha frente. Subi pela diagonal, assim como fazem crianças descobrindo caminhos tortos. Deus não escreve por linhas tortas, permanece calado enquanto subimos seus caminhos sinuosos. Pensamentos divinos: nada mais apropriado para um caminhar em direção a casa monstruosa. Toda catedral tem algo de monstruoso.
            Atravessei uma rua morta, morta como estava, e nada mais me animou tanto quanto a porta entreaberta. É engraçado como as portas das catedrais nunca se abrem a sua frente, temos sempre que desviar nossa linha reta de certezas para os lados escuros de portas laterais. A porta da sua frente sempre está fechada. Assim como o céu neste dia em que não me encontro. Desvirtuei meus pensamentos a procura de imagens que pudessem estabelecer no meu ser outros parâmetros. Santos, anjos... estava a procura de um céu atormentado, assim como são todos aqueles céus construídos pelos homens. Não encontrava, a não ser imagens esculpidas com uma madeira morta, da qual mal sabia diagnosticar o que estava sendo representado. A forma reinava soberana. Meu conteúdo se esvaecia, na medida em que caminhava pelos assentos de madeira.
            Fechei os olhos para que pudesse escolher o melhor lugar, que ironia, não existe melhor lugar onde tudo é céu atormentado. Apropriei-me não do assento, mas sim da parede que em minha frente encontrava, onde observava muda o cântico desértico da abóboda ao lado. Um canto enferrujado, comido pelas traças do tempo. Fechei os olhos novamente, sentia-me abraçada por um sinal de mal-querer da vida. Ela me dizia, que aquele sim era o momento para abrir-me ao grande vale das lágrimas. Tudo fica biblicamente mais dramático quanto se está na grande casa tormentosa de Deus, este ser que se cala diante os caminhos sinuosos.



 Porto Alegre, 19 de março de 2014.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Simplesmente por não saber o que escutar neste profundo silêncio


Um nó perfeito que não desata a não ser por uma imperfeição.
Escuto um pedaço de voz caindo ligeiramente.
Há passos em falso pelo meio,
Mas nada como a tua voz.

Intensamente, estudo o inverso do ser
Numa equação pronta a ser desvendada.
Não enxergo o que os meus olhos vêem.
Por estar friamente enamorada.

Sou um pulso que de gelo derreteu,
Uma vida obscura e entornada.
Um olhar, de relance você me deu
Abrigando nova vida, espalhada.

Não escuto o que os olhos da noite me dizem
Pois ando por aí, embasbacada...
Surdo e mudo o inverno anuncia despedida.
Da minha alma, pesada e afogada.

Viajo por medo,
Viajo então
Nas sombras de um desejo.
Meus passos neste chão.

Carrego uma mala
De tão espessa não falha,
Não roda, não anda, não se pode levantar
acumula, toda esta terra vida
Exagerada.

Penso em ti como se nada houvesse
No entanto, um suspenso acorde me ressoa
Distante, próximo como o vento,
Fechado como um container
Um navio à deriva
Imagens...

Não posso passar de sentimento
Este acorde tem tom de menor.
Divaga, bem perdido, o pensamento
Num feixe de notas de cor.

Estendo-me para dizer
É o amor!
De ver e não ver, de sentir e de nada valer a vida real.
É a dor,
Surpreendendo-me feliz,
Fingindo sobrepujança
“um poeta é um fingidor”
Escancara a porta pra te receber
Com a dor que deveras sente.

Um diálogo palpitante
Parece despertar em mim.
Uma contradição que explode como semente
Estilhaça-os todos!
Quem?
Os pensamentos?
Os segundos atribulados?
Um passo antes de um fim.

Ousei terminar assim!
Não posso comigo mesma...
Fingirei que não sou nada,
Não posso ser nada,
Apesar de ter, ser,
você do outro lado,
eu a te mirar
um futuro enquadrado, eu
em um segundo, completo, reinar. 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Uma coisa é ser. Outra coisa é ser.

Uma coisa é ser. Outra coisa é ser.
Ser em segundo lugar sempre é mais maduro.
Gostaria infinitamente de saber
O que exala da simplicidade ingênua
Daquele ser, simplesmente sendo assim
Da calma e do silêncio de uma pradaria.
Me aborreço, me aborreço, não sei ser mais do que sou agora.

Aquilo que é na doçura
Não convence quem o vê na irrealidade das coisas,
Intensidade e profundidade
Num ser imediato e insolente
Aparente,
Ser assim, nada envolvente
Confunde e irremedia.

Sem surpresas ou confusões
Vai passando, sendo
Sendo aquilo de plano
Rua plana
Não vai a lugar algum,
Não desce ou sobe
Sol escaldante
Medo, cansaço nos ombros.

O regozijo de uma dor silenciosa
Parece dar movimento as idéias que são,
Todas elas,
Idéias que foram
Se foram
São e são tudo
Sendo assim, sou forte.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sem impasse 

Sem impasse, na verdade
Tudo o que vejo agora é a simples cru ironia
Do jogo das palavras, da memória
De algo que me vem mas não sacia.
Me ensandeço de pensar
Que o amanhã nada revela
Além de ser outro, um outro diferente
E talvez, completamente ausente.
Nestas frias horas internas
O que me condena é também o que me revela
A intenção por detrás da janela
Congelando, espreitando
Tudo a sua volta
E nada vê,
Pois o amanhã, frio e brusco
Pode repelir, qualquer sinal de tolerância
Tolerância com a vida lá fora
Que por agora, jaz na memória.


Escrita em 12/04/2012. Destas que a gente nem lembrava que existia.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Museu de memórias

Um grito,
Escapada de viris ferroadas
A sensação de não ter dor durante a dor,
A transcedência...
As vozes rubras de ódio organizado
Anunciam frondosas, o retorno de um tempo recesso,
Retrocesso,
Acesso,
às infinitas significações de sofrimento.
Olhos atentos.

Mentes talvez vagas, 
pensando na parcela de seus apartamentos.
Ou na apatia imóvel de seu móvel.

Não suporto, não aguento.
Mais ainda assim algo maior me chama.
Atendo ao pedido,
Já com a medida do copo se esgotando.
Aprendo como é suave ter dor e não sentir.
Ter dor e não sentir é como caminhar por móbiles de algodão.
Rostos acessados por luzes de velas frontais.
um delgado trozo de terra,
Um senão em meio às certezas.
Os rostos, cabelos negros,
A sutileza de um traço
Continua caminhando por aí.
(Eu mesma constatei)
Feitos de mistério que instigam e provocam.

Política perversa
Nos comanda sobre o nome de outros personagens.
Cooptação, comodismo maligno.
Fazem de nós personagens num papel inverso.
Propagadores de tais morais e bons costumes,
Assumamos nossa ignorância.
(Optemos por férias em Miami)
Para perdermos da forma mais derrotada que alguém pode perder. 
Tentar apanhar as palavras

Tentar apanhar as palavras
Entre um pensamento e outro
que passa correndo,
É tarefa para detetive,
Ou um sábio competente.

As idéias me saltam tal quanto me devoram
Finjo descrever o indescritível
E dou-me por satisfeita,
Entre um pulsar sonso das letras
Ou um turbilhão feroz dos sonidos.

Ao longo do caminho perdem-se as letras,
as ideias ideais,
um tanto quanto, e às vezes, filantrópicas
mal amadas, vazias e quadradas.
Sempre esperando por acabamento.

Misterioso ato de prendê-las,
num vazio tão plano como o deste papel em branco.
Apoioado sobre almofadas chilenas.